2006/06/27

O Salto (Notas pessoais do 414/72)

Concluído que estava o período de instrução – que durou 6 meses – do qual constou: Recruta; Estágio de Aperfeiçoamento de Combate; Estágio de Nomadização; Curso de Pára-quedismo, fui destacado para frequentar o Curso de Dobragem de Pára-quedas e, posteriormente, frequentei o Curso de Cabos.
Porque “tinha habilidade para o desenho”, fui transferido para um gabinete de acção psicológica, denominado I.T.O. (Instrução e Treino Operacional), onde me iniciei nas “artes” do desenho gráfico e da ilustração.
Mas a actividade principal, militarmente definida, eram os saltos em pára-quedas, razão de tanto sofrimento e dor. Conseguir a almejada Boina-Verde e o Brevet de pára-quedista militar, foi resultado de uma constante luta contra obstáculos diversos, que nos obrigaram a atingir níveis de desenvolvimento físico e psicológico, que até então quase todos pensávamos ser incapazes de conseguir, o que me permitiu seguir em frente, quando muitos dos meus companheiros desistiram. “O salto”, fase suprema da nossa preparação militar, é um somatório de sentimentos, emoções e sensações contraditórias e, talvez por isso, difíceis de descrever. Tentarei entretanto fazê-lo:
Chegada a altura de saltar de pára-quedas, novos receios se instalavam: Serei capaz? Não terei medo? Não recuarei ao chegar à porta do avião? O pára-quedas abrirá? Como será?
O dia anterior, foi para além de algumas palestras, o de adaptação ao voo, no qual simuláva-mos o salto. Foi o meu primeiro voo de avião.
A 28 de Agosto de 1972, pela manhã, saia-mos em passo de corrida do quartel, para a Base Aérea nº 3, que fica em frente. O coração batia acelerado, não tanto pelo ritmo da corrida, mas sim, porque chegava o “grande momento”, pelo qual eu – todos nós - tinhamos, literalmente, vertido sangue, suor e lágrimas. Perfilamos na placa de embarque; recebemos o pára-quedas e equipámo-nos, tendo por fundo o ruído enervante dos motores do avião, em aquecimento. Depois das verificações de segurança e de executados os rituais militares “para expelir o medo”, entrámos no Nord-Atlas. Instalamo-nos, quais sardinha em lata, enquanto a adrenalina aumentava vertiginosamente, em parte pela influência do barulho do avião, mas fundamentalmente porque era a viagem rumo à incógnita.
Chegados à “zona de largagem”, a 400 metros de altitude, depois de se acender a luz vermelha, enquanto o meu ritmo cardíaco atingia valores máximos, recebemos a ordem: levantar… enganchar…verificar (a última verificação de equipamento) e logo que o avião se posicionou, depois de acesa a luz verde, as ordens decisivas: preparar… Já!!!
Um turbilhão de sentimentos e emoções difusas e confusas, qual mola, impulsiona-me e projecta-me para o espaço “etéreo”, onde o silêncio absoluto é recortado, aqui e além, por algumas manifestações de excitação. Verifico rapidamente, com o olhar, se a abertura do pára-quedas foi eficiente, ou se teria de abrir o “reserva”. Confirmado que tudo correu bem, aprecio a panorâmica, saboreio a sensação da descida, dedico o salto ao meu filho. Gradualmente vou tomando consciência de que o “problema” poderia estar na “recepção-ao-solo”. Preparo-me para o impacto, o que acontece normalmente, sem ter tido a noção exacta do tempo que demorou a descida.
Chegado ao solo, breves minutos depois, procedo à recolha e dobragem sumária do pára-quedas. Passada que estava a estupefacção, ia gradualmente digerindo todas as emoções, enquanto me regozijava, pelo facto de ter conseguido atingir os meus objectivos. Ainda exteriorizando alguma excitação e, enquanto comentávamos colectivamente o que sentimos, subimos para o camião que nos iria levar novamente para o quartel, onde, depois de um breve colóquio, alguns corrigiam na torre de saltos algumas deficiências. Foi aqui que assisti a um acidente fatal, que vitimou mortalmente um camarada de recruta. Não nos deixamos abater emocionalmente. Ainda faltava efectuar mais 5 saltos, para que nos fosse atribuída a tão ansiada Boina-Verde e o Brevet. A partir daí, então sim, éramos Pára-quedistas. Seríamos tratados de forma diferente. Conseguira-mos chegar ao fim da tormenta.

5 Comments:

At 10:06 da tarde, Blogger José Marques said...

Foi de facto um momento único que só pode ser entendido e valorizado por quem alguma vez sentiu esse momento sublime quando esvoaçava sem asas nos céus do Tancos e aterrava no Arripiado, ali bem juntinho ao Tejo.

 
At 11:57 da manhã, Anonymous Anónimo said...

a maneira compadre

 
At 11:58 da manhã, Anonymous Anónimo said...

oh companheiro quando e que escreves pa ai um livrinho pa?

 
At 1:21 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Parabens por tudo o que escreveste.Continua com esse bom humor.Camarada PQ A.Neves

 
At 7:10 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Tenho verdadeiro pânico e trauma quando vejo paraquedistas no céu. Perdi meu irmão com 27 anos em um acidente fatal. Isto ocorreu em 04/04/90 e agora fiquei sabendo que um amigo também faleceu da mesma forma em 02/12/05. Parece que estes acidentes me perseguem, mas como meu irmão dizia, se morreria voando, morreria feliz. Boa sorte a vc

 

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