2006/06/28

Prestar provas.

Chegado a Tancos, depois de várias horas de comboio, a levar com todo o tipo de "tangas" dos "nossos Páras" e, naturalmente do meu amigo e compadre, recordo-me de ter sido (eu e os outros candidatos, claro), recebido com toda a cortesia e gentileza por parte dos instrutores, aliás, como é apanágio dos "Páras".
Depois de nos terem sido distribuídas umas sapatilhas muito foleiras, e uns calções brancos de sarja, lá fomos em tronco nú, em pleno inverno, prestando as provas físicas, a que se seguiriam os testes psicotécnicos, que ainda hoje não sei para que serviam.
A esta distância de tempo, as recordações são naturalmente pontuais, mas, lembro-me perfeitamente de que, quando efectuamos o salto da Torre francesa, o freguês que ia à minha frente - um latagão com um "cabedal" de fazer inveja - sentar-se na plataforma, e ter-se recusado a saltar. Claro que foi eliminado! O problema é que os bacanos cá em baixo, pensavam que tinha sido eu a hesitar no salto, e queriam obrigar-me a repeti-lo, ainda estava eu a tremer como varas verdes, e com o coração a querer sair pela boca.
Não me recordo de ter conhecido gente tão solícita, ao ponto de nas provas de agressividade -apesar de me terem dito que era de todo conveniente, não se aperceberem de que eu tinha praticado boxe-, um "Pára" topou-me pela forma de respirar e, se calhar em mais uma demonstração de simpatia, insistia em querer fazer boxe comigo. Tenho ideia de que alguém (acho que foi o Carlos Alberto, instrutor de boxe) afirmou conhecer-me (o que era verdade), e garantiu que eu não praticava nada boxe (o que era mentira). O outro é que ficou um tanto desanimado, e assim, pelo que julgo saber, livrei-me de levar cortêsmente nas trombas, pois era sagradinho, que mesmo que lhe desse no "focinho", viria outro "Pára" "defender a honra do convento".
São mesmo atenciosos os "Páras", ao não deixarem uma pessoa sem resposta.

Assim, depois de ter prestados as provas e de me ter livrado de uma tareia à S. Romão do Coronado, lá vim todo contente para casa, pois, cumpridas todas as etapas, tinha sido aprovado.

Próximo capítulo (quer dizer que continua): A Recruta.

À Procura da Razão

Ainda hoje, decorridos mais de 34 anos, estou para perceber o que leva uma pessoa de bem, a ir bater com o costado nos “Páras”.
Tenho conversado com alguns camaradas de armas, sobre as razões que levam uma pessoa a ser voluntário para as tropas pára-quedistas, mas não se retira nenhuma conclusão plausível.
No meu caso particular, quando na adolescência sempre quis ir para a Marinha e, não fosse a influência directa de um amigo (Amigo mesmo), que tinha a “mania” de que queria ser “Pára-quedista”, era para a Marinha que eu iria certamente. Ainda por cima eu, um gajo pacato, que gosta das calmas, ir para aquela coisa de malucos que saltam de avião…
O meu amigo, esse sim, que era marado do capacete todos os dias, tinha as condições subjectivas para vir a ser pára-quedista, o que acabou por acontecer.
Inevitavelmente, em paralelo à instrução ele ia recebendo nos "Páras", exercia toda possivel (quer em forma, quer em conteúdo) acção psicológica sobre mim, no sentido de me demover da ideia peregrina de ir para a Marinha, o que obviamente conseguiu. Desde referir que estava desejoso de me ver vestido como o Pato Donald, passando pelo ensino das técnicas do salto, executados nos paredões da praia do Castelo do Queijo, adornados com as constantes afirmações, de que o que eu tinha era “caguefes”, valeu tudo para me influenciar, menos arrancar olhos.

O certo, é que todos os pára-quedistas que conheci, para além de não fecharem bem a porta ( o que é universalmente reconhecido), eram por mim, vistos como uns gajos diferentes; uns gajos que estavam num patamar não alcançável por qualquer um. Foi talvez isso que me fascinou e, orientou a minha decisão definitiva: Querer ser também Pára-quedista!
Quando comecei a preparar os meus "velhotes" para esta ideia, mais do que o espanto, foram as afirmações claras, precisas e definitivas: Tu és maluuuco!.. Olha para o que te deu!... Raisparta o rapaz que não tem juízo. Isto entre outros “mimos” altamente motivadores.
Claro que o meu pai, que era militar da G.N.R., começou logo a demonstrar toda a sua sabedoria, na forma categórica com com que manifestava a certeza de que eu não iria conseguir passar nas provas, pois, pelo conhecimento que tinha de filhos de colegas seus - alguns dos quais tinham sido eliminados -, “aquilo não era pêra doce”, e certamente iria ser também eliminado nas provas.
Depois de ter “dado os sinais” no Centro de Recrutamento, lá fui em Janeiro de 1972, fazer uma viagem até Tancos, para efectuar as tão propaladas, difíceis provas de admissão. Começava-se a vislumbrar no meu horizonte mental, que eu, contrariamente ao que pensava, também não era lá muito certo da cachimónia.

(Brevemente novos episódios, neste Blogue perto de si.)

2006/06/27

O Salto (Notas pessoais do 414/72)

Concluído que estava o período de instrução – que durou 6 meses – do qual constou: Recruta; Estágio de Aperfeiçoamento de Combate; Estágio de Nomadização; Curso de Pára-quedismo, fui destacado para frequentar o Curso de Dobragem de Pára-quedas e, posteriormente, frequentei o Curso de Cabos.
Porque “tinha habilidade para o desenho”, fui transferido para um gabinete de acção psicológica, denominado I.T.O. (Instrução e Treino Operacional), onde me iniciei nas “artes” do desenho gráfico e da ilustração.
Mas a actividade principal, militarmente definida, eram os saltos em pára-quedas, razão de tanto sofrimento e dor. Conseguir a almejada Boina-Verde e o Brevet de pára-quedista militar, foi resultado de uma constante luta contra obstáculos diversos, que nos obrigaram a atingir níveis de desenvolvimento físico e psicológico, que até então quase todos pensávamos ser incapazes de conseguir, o que me permitiu seguir em frente, quando muitos dos meus companheiros desistiram. “O salto”, fase suprema da nossa preparação militar, é um somatório de sentimentos, emoções e sensações contraditórias e, talvez por isso, difíceis de descrever. Tentarei entretanto fazê-lo:
Chegada a altura de saltar de pára-quedas, novos receios se instalavam: Serei capaz? Não terei medo? Não recuarei ao chegar à porta do avião? O pára-quedas abrirá? Como será?
O dia anterior, foi para além de algumas palestras, o de adaptação ao voo, no qual simuláva-mos o salto. Foi o meu primeiro voo de avião.
A 28 de Agosto de 1972, pela manhã, saia-mos em passo de corrida do quartel, para a Base Aérea nº 3, que fica em frente. O coração batia acelerado, não tanto pelo ritmo da corrida, mas sim, porque chegava o “grande momento”, pelo qual eu – todos nós - tinhamos, literalmente, vertido sangue, suor e lágrimas. Perfilamos na placa de embarque; recebemos o pára-quedas e equipámo-nos, tendo por fundo o ruído enervante dos motores do avião, em aquecimento. Depois das verificações de segurança e de executados os rituais militares “para expelir o medo”, entrámos no Nord-Atlas. Instalamo-nos, quais sardinha em lata, enquanto a adrenalina aumentava vertiginosamente, em parte pela influência do barulho do avião, mas fundamentalmente porque era a viagem rumo à incógnita.
Chegados à “zona de largagem”, a 400 metros de altitude, depois de se acender a luz vermelha, enquanto o meu ritmo cardíaco atingia valores máximos, recebemos a ordem: levantar… enganchar…verificar (a última verificação de equipamento) e logo que o avião se posicionou, depois de acesa a luz verde, as ordens decisivas: preparar… Já!!!
Um turbilhão de sentimentos e emoções difusas e confusas, qual mola, impulsiona-me e projecta-me para o espaço “etéreo”, onde o silêncio absoluto é recortado, aqui e além, por algumas manifestações de excitação. Verifico rapidamente, com o olhar, se a abertura do pára-quedas foi eficiente, ou se teria de abrir o “reserva”. Confirmado que tudo correu bem, aprecio a panorâmica, saboreio a sensação da descida, dedico o salto ao meu filho. Gradualmente vou tomando consciência de que o “problema” poderia estar na “recepção-ao-solo”. Preparo-me para o impacto, o que acontece normalmente, sem ter tido a noção exacta do tempo que demorou a descida.
Chegado ao solo, breves minutos depois, procedo à recolha e dobragem sumária do pára-quedas. Passada que estava a estupefacção, ia gradualmente digerindo todas as emoções, enquanto me regozijava, pelo facto de ter conseguido atingir os meus objectivos. Ainda exteriorizando alguma excitação e, enquanto comentávamos colectivamente o que sentimos, subimos para o camião que nos iria levar novamente para o quartel, onde, depois de um breve colóquio, alguns corrigiam na torre de saltos algumas deficiências. Foi aqui que assisti a um acidente fatal, que vitimou mortalmente um camarada de recruta. Não nos deixamos abater emocionalmente. Ainda faltava efectuar mais 5 saltos, para que nos fosse atribuída a tão ansiada Boina-Verde e o Brevet. A partir daí, então sim, éramos Pára-quedistas. Seríamos tratados de forma diferente. Conseguira-mos chegar ao fim da tormenta.

2006/06/26

Primeira de 72


A razão deste blogue, tem a ver com a necessidade que encontrei em criar um espaço de troca de opiniões e experiências entre Pára-quedistas, especialmente, entre os meus camaradas de recruta, a Escola de Recrutas 1 de 72. Apesar de todos os anos levarmos a efeito a realização dos nossos Encontros, para além do natural reduzido número de presenças, dados os factores emotivos inerentes ao encontro de amigos de longa data, muita coisa fica por dizer. Pode ser que este blogue prolongue essas conversas. A todos os meus camaradas de incorporação, a todos os Pára-quedistas, apelo à participação neste espaço.

Um forte abraço! (414/72)